segunda-feira, 11 de junho de 2012

segunda-feira, 28 de maio de 2012

Cominho e carne quente


Dia desses, entrei em um café e pedi um sanduíche. Veio acompanhado de uma pequena tigela com o molho barbecue da casa. Assim que a primeira porção do molho entrou em contato com o recheio de carne quente, fui atingida por um celestial aroma de axilas masculinas.
Em vez do enjoativo cheiro de catchup defumado dos molhos barbecue tradicionais, aquele exalava um aroma animal – quase afrodisíaco.
Não era nada semelhante à sensação de estar entalada dentro de um ônibus na hora do rush. Parecia mais que eu tinha acabado de trepar loucamente e, necessitada de fôlego, descansasse a cabeça na parte interna dos braços do amado. Ali onde a pele é mais fina e sensível. Onde o conjunto de braço, axila e lateral do torso formam um continuum de pele pronta a ser eriçada com as unhas em alguns momentos – mas que também serve tão perfeitamente de travesseiro em outros.
Voltei a me concentrar no cheiro. Aos poucos, identifiquei tomates frescos caramelizados em panela de fundo grosso, fogo alto e atenção concentrada. E, em seguida, cominho.
O cominho (não confunda com a alcaravia, ou kümmel) é um dos ingredientes que compõem o curry indiano. Tem um aroma profundamente sensual e, dependendo da combinação com outros ingredientes, pode evocar momentos olfativos sublimes, como o suor de um corpo limpo e esforçado.
Desconfio que o poder daquele molho vinha da combinação desse condimento mágico com os tomates e a carne vermelha – ambos alimentos com forte sabor unami, o encanto protéico que quase ninguém consegue definir, mas deixa nossas papilas em festa.
Ando aperfeiçoando minha própria receita – assim como tento apurar meu olfato para perceber todas as nuances que um corpo apaixonado é capaz de produzir. Preciso de mais alguns dias à beira do fogão – e outros tantos nos braços de Fugu. Mas assim que chegar perto do resultado que procuro, prometo escrever a receita. A do molho, porque o perfume do corpo dos amantes nunca tem composição definida. E vem daí seu encanto.

sábado, 7 de abril de 2012

Um trecho do livro de presente para quem não comeu carne na Páscoa


O mundo a ser devorado

No adulto, a alimentação é um dos poucos atos que mobilizam quatro dos cinco sentidos: visão, tato, olfato e paladar. E até mesmo o quinto – a audição – pode entrar na brincadeira se considerarmos o batuque que nossos dentes produzem ao esmagar nozes, legumes quase crus, talos de aipo, grãos etc.
Quando comemos, a boca experimenta uma algazarra polissensorial. Uma farra. Um carnaval cujo carro alegórico mais imponente é representado pelo olfato, que responde por 80% do sabor da comida.
Além da boca, nenhum outro órgão do corpo é tão capaz de absorver sensações diversas e combiná-las de maneira tão irresistível desde o momento de nosso nascimento.
Assim que saímos do útero, o mundo inteiro cabe num bico de seio e o bico do seio cabe na nossa boca.  O bebê come o mundo. Dali vêm cheiros, sensações, gostos que ele imediatamente associa à saciedade – que é tudo o que entende da vida até então.
Depois, quando crescemos, algumas – como o tato – vão se amortecendo.
Imagino que a natureza tenha tido suas razões para refrear o prazer das sensações táteis da boca em crescimento e suspeito que uma delas sejam os dentes. Seria difícil conviver com eles se a cavidade bucal continuasse a ser ultrassensível.
Quando deixamos de ser bebês, o tato da boca passa a trabalhar em segundo plano. Desde que ficamos grandinhos, nunca mais chupamos a ponta do tapete, não lambemos mais o chaveiro que os pais esqueceram sobre a mesinha, não mastigamos a mecha do cabelo que a mãe deixou cair, displicente, sobre os ombros.
Conhecer o mundo pela boca é coisa de quando ainda éramos banguelas.
Com a chegada das presas, passamos a desconfiar.
Ainda bem.
Não temos mais papai e mamãe por perto para avisar que a tomada não deve ser experimentada com a língua. Ao ganharmos dentes, ganhamos também mais paladar, mais olfato, mais visão e mais discernimento. Agora, preferimos bife à milanesa à ponta do rabo do gato – mesmo que a segunda alternativa possa ser tão mais divertida. O tato migra para outras áreas e só permanece na boca como alarme ou prazer secundário.
É natural que seja assim.
Só o que subverte o planejamento tátil da natureza é o beijo.
O beijo chega à boca adulta como um amante ao casamento desgastado.
É um intruso desejado. Não era para estar ali. Sua presença desorganiza, grita que é possível tornar tudo melhor, muito melhor, desde que estejamos dispostos a resgatar alegrias  abandonadas pelo meio do caminho. Como quando ainda não tínhamos dentes e achávamos que o objeto de nosso desejo era comestível.
Mais do que devolver o tato à boca, o beijo o faz reviver como sentido primeiro. A boca tátil é tenra, desprotegida, destemida e curiosa. Ao se aproximar de outra semelhante, precisa compreender quem é aquela que provoca tão intensa emoção.
Igualmente entregue, igualmente desprotegida, igualmente destemida, a outra boca devolve a pergunta. Então, as duas precisam beijar de novo para não compreender ainda mais. Para ficarem úmidas de questões não respondidas, aquecidas de expectativas.
Quando beijo Fugu, encho minha boca de indagações e faço delas alimento.

sábado, 31 de março de 2012

A cozinheira e a puta


No livro Ao Ponto, o chef Anthony Bordain descreve da maneira mais objetiva possível o que se espera de um cozinheiro profissional. Diz ele: “Você sabe preparar uma omelete ou não sabe. Você consegue fazer quinhentas omeletes em três horas – como disse que faria e como a função exige -, ou não.”
Impossível não associar a história das omeletes à de Pink, a garota de programa que contratei para animar o aniversário de 50 anos de Fugu. Ela saberia provocar uns vinte orgasmos em duas horas, com certeza.
De maneiras diferentes, Bourdain e Pink me botaram no devido lugar. Sou amadora. Na melhor das hipóteses, uma artesã esforçada. É possível que conseguisse desenvolver algum grau de proficiência, caso tivesse me dedicado a isso. Mas é o amadorismo que me dá prazer.
Não sei fazer uma omelete perfeitamente oval e amarela, no ponto exato de cozimento para que seus coágulos a deixem tão macia quanto a pele de um bebê, como ensina Gabrielle Hamilton. Não sei se o martini ideal tem que ser batido ou mexido.  Nunca consegui fazer uma vinagrete perfeita.
Jamais conseguiria fatiar uma cebola em poucos segundos, como faz um profissional. Até saberia como provocar um orgasmo em menos de cinco minutos mas, francamente, que graça teria isso?
Profissionais têm mais prazer no resultado do que no processo.
Amadores têm dois caminhos. Ou se mortificam com a própria inabilidade – que vai se revelando mais aguda à medida que o processo avança. Ou desaceleram o processo até o ponto de conseguirem acompanhá-lo – e descobrem nessa rarefação do tempo uma indispensável fonte de prazer.

sexta-feira, 9 de março de 2012

Dia internacional da mulher lenta

Cheguei atrasada porque sou uma mulher lenta. Meu oito de março só começa mais tarde. Se eu pudesse reivindicar alguma coisa no dia das mulheres, seria que todos desacelerássemos. No sexo, inclusive e acima de tudo.
Comemoro o dia das mulheres no mais feminino dos climas. Eu e Fugu nos encontramos pela manhã. Bem cedo. Ainda sonados. E reproduzimos no quarto do motel o ritual dos casais em fim de semana.
Começamos invocando a cena doméstica. Tontos de sono, adormecemos enroscados. O sono é o convite para todas as entregas. Minha bunda se encaixa tão perfeitamente nos quadris de Fugu. Duas horas depois, acordo já me empinando, sem nem saber onde estou, mas a bunda sabe, e se orienta na direção do pau duro como uma mariposa em busca de luz.
Existe alguma coisa mais tesuda do que o despertar de um casal apaixonado? Do que o jeito como Fugu morde minha nuca? Dos que os semitons do meu gemido? Do que o braço forte dele forçando encaixes não programados?
Hoje é o dia da mulher, e vou comemorar de quatro, mais poderosa do que nunca. Sou eu a comandante da minha musculatura. Sou eu a que concede e se abre. Sou eu a que come, mastiga, engole e devolve à vida.
Sou eu a que goza - sinalizando que a brincadeira está apenas começando.
Porque o dia mal começou, meu amor. Temos todo o tempo do mundo à nossa frente.
E vamos usá-lo.

terça-feira, 6 de março de 2012

Lançamento no Rio

A festa foi bonita. Cozinheiros prepararam algumas das receitas (só as de mesa) do livro. Teve caipirinha de lichia (claro), tartare de atum e doces caramelados. Quando tiver a próxima, aviso a quem não foi.